Juristas se mostraram perplexos com a atuação do ministro Alexandre de Moraes, que exibiu vĂdeos no julgamento do recebimento da denĂșncia de suposta tentativa de golpe contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados.
O caso esteve em pauta na 1ÂȘ Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) na terça-feira 25 e na quarta-feira 26. Moraes, durante a leitura de seu voto, exibiu vĂdeos dos atos de 8 de janeiro, imagens que nem faziam parte do processo.
O criminalista SĂ©rgio Rosenthal afirmou que o ministro ânĂŁo poderia ter exibido esses vĂdeos a nĂŁo ser que eles tivessem sido juntados previamente aos autos por alguma das partesâ.
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Ele explicou que no Brasil vigora o sistema acusatĂłrio, ou seja, âcabe ao MinistĂ©rio PĂșblico produzir as provas da acusaçãoâ. âAqui [no julgamento da 1ÂȘ Turma] o vĂdeo Ă© exibido e Ă© dito isso expressamente pelo ministro, que esse vĂdeo constitui prova da materialidade do delito. EntĂŁo isso nĂŁo pode partir do julgador. O julgador Ă© o destinatĂĄrio da prova, nĂŁo Ă© o produtor da prova. E pouco importa se esse vĂdeo Ă© notĂłrio, se esse vĂdeo Ă© pĂșblico ou qualquer coisa nesse sentido, nĂŁo cabe ao julgador trazer isso aos autos, cabe ao MinistĂ©rio PĂșblicoâ, ensinou Rosenthal.
Por isso, para ele, âa exibição desses vĂdeos, sem que os mesmos tenham sido juntados aos autos anteriormente, constitui, sim, uma ilegalidade, juridicamente falando, tecnicamente falandoâ. E finalizou: âLamentavelmente esse tipo de atitude, de um modo ou de outro, inclusive descredibiliza o julgamento, porque demonstra, eventualmente, ou pode demonstrar para alguns, certa parcialidade do julgadorâ.
Advogado criminalista, Fabricio Rebelo tambĂ©m fulminou a atuação de Moraes, lembrando as crĂticas ostensivas contra o entĂŁo procurador da RepĂșblica Deltan Dallagnol, que, durante uma entrevista coletiva sobre a Lava Jato, fez uma apresentação sobre o esquema de corrupção. No episĂłdio do Power Point, Deltan era procurador â e nĂŁo juiz â e tinha, portanto, legitimidade para demonstrar publicamente a prova contra os acusados.
âSe uma apresentação em Power Point exibida pelo MinistĂ©rio PĂșblico Federal (legĂtimo ĂłrgĂŁo acusador) foi criticada, o que dizer de um julgador (teoricamente imparcial) que, na sessĂŁo de mero recebimento ou nĂŁo da denĂșncia, exibe fotos e vĂdeos sobre a acusação?â, questionou Rebelo.
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âEm QUALQUER tribunal, uma decisĂŁo de recebimento de denĂșncia nesse contexto seria anulada por excesso de linguagem (eloquĂȘncia acusatĂłria)â, afirmou o advogado, explicando que isso Ă© âcausa de suspeição, por caracterizar prĂ©-julgamento do casoâ.
O constitucionalista Andre Marsiglia disse que nunca viu em toda a sua vida um juiz apresentar prova. âO pior do vĂdeo apresentado por Moraes nĂŁo Ă© ser prova surpresa, sem prĂ©vio informe Ă s partes, nĂŁo Ă© ser editado, nĂŁo Ă© ser motivo para anular julgamento em qualquer paĂs democrĂĄtico do mundo, mas ser uma prova surpresa apresentada por um juiz. Nunca vi isso em toda minha vidaâ, escreveu Marsiglia.Â
A advogada Ărica Gorga, doutora em Direito pela USP, considerou a atitude de Moraes inconcebĂvel e Ăvel de causar nulidade no processo. âNĂŁo cabe ao juiz anexar novas provas que nĂŁo estĂŁo no processo. Isso em si Ă© motivo para nulidade processualâ, explicou.
Fonte: revistaoeste